21 outubro 2010

Primeiro exercício bem humorado de percepção

A TV é nova e vem com controle remoto.
32 prestações.
Aristides procura pela semifinal.
Pensilvânia transmutou-se em travesseiro molhado de baba. Lá dentro de seus olhos ela está numa sala em preto e branco. Um homem idoso lhe arranca uma unha de cada vez e sorri. Pensilvânia chora e pede ao homem:
- Coronel! Eu posso te matar?...
O homem grave, senhor, barba branca, tem o corpo fechado. Sorri novamente. E mais uma unha cai. Tudo em preto e branco. Sangue preto. Unha cinza. Coronel branco.
Aristides não pode encontrar a penúltima partida. Está impotente. Em todos os canais só é possível encontrar a foto do Magalhães... Magalhães de pé, Magalhães com dedo em riste, Magalhães liderando a multidão, Magalhães sendo beijado, Magalhães sempre glorioso. Magalhães morto.
- Esse filho da puta podia morrer quieto e deixar o meu verdão em paz! Magalhães dos caralho!!!
Pensilvânia escuta o título do próprio pesadelo. Magalhães dos caralho... Abre os olhos e não tem mais nenhuma unha. O quarto, que é sala e cozinha e banheiro, já está em quatro cores. Ela ainda escuta o sorriso do coronel e grita acordada já transmutada em mulher-descabelada-e-sem-nenhuma-unha:
- Coronel escroto! Eu queria te matar e você se saiu bem... Você sempre se saiu bem...
E Pensilvânia é toda tristeza. Frustração.
Aristides se sacode todo. Olha a mulher-descabelada-e-sem-nenhuma-unha e pensa que, finalmente, Pensilvânia está louca:
- Chegou tua hora. Eu sabia que teu fim ia ser injeção de calmante.
E retorna a procurar a semifinal, mas, só encontra com o Magalhães de pé, com dedo em riste...
Pensilvânia olha de relance a tela repleta por Magalhães. Ordena-se nova transmutação em travesseiro molhado de baba e pensa sem unhas:
- Eu tô voltando aí coronel, aí onde você tá vivo. Ninguém mata morto...
Aristides espera.
As 31 prestações restantes ainda valem à pena, porque ele sabe que morto nenhum compete com semifinal no país do futebol.

P.

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